Estudos da Mídia: comunicação, cultura e consumo
Synopsis
Em Un Art de viure, Herzog diz que todo pensamento é um esboço de ação; que é de acordo com o que pensamos que pintamos o quadro de nossa vida. Esse é o sentido mais fundamental das academias de ensino: desenvolverem o pensamento dos filhos dos homens, para que eles tenham maneiras humanas de pintarem os ambientes de suas vidas. Pensar não significa abandonar o preparo para exercer uma profissão; significa exatamente pensar esse lugar em relação ao vir-a-ser humano e social. Isso porque, instruir, educar não é jamais encher uma cabeça; é, sim, acender sua criatividade.
A comunicação que rege o humano é, fundamentalmente, a força que impele à realização da vida. O homem fala, escreve, desenha, fotografa, encena para pôr-se em relação com o outro, porque nesse rumo vai a natureza e o sentido - eminentemente social - de sua existência. A ação humana no seu modo existencial é, portanto, em última análise, a busca do outro para a realização de si. Nessa intencionalidade está implicada, de modo vital, uma ânsia de comunicação e de vir-a-ser. Nessa perspectiva, a comunicação exprime o mais importante e pleno sentido da relação com o outro por si, para sua própria realização. Na realização de si, realiza-se a natureza da espécie.
Textos, falas, análises são “technês” que operam com a desconstrução das representações mentais - os pensamentos - construindo-as no plano das linguagens, com o intuito de fazê-las circular na esfera dos intercâmbios socioculturais, onde acontecem os agenciamentos dos sentidos do vir-a-ser humano. Diria que a mídia, hoje, tem as feições de hipertexto: mantém as produções culturais dos diferentes campos sociais como um centro panorâmico - de acesso e visibilidade - enquanto, sem deter-se, os múltiplos campos seguem seu ritmo de produção e desempenho. A mídia é, nesse aspecto, um conjunto de escrituras ramificadas: todas avançam suas ideias sem que a multiplicidade dos movimentos da cultura sejam interrompidos.
A potencialidade da comunicação humana se exerce - e resolve - nos seus processo de comunicação que, na modernidade, de forma nuclear, remete ao imbricamento dos meios de comunicação social com as formas de vida social e individual. Pensar o fenômeno das interações humanas sob o aspecto de sociedade midiatizada é pensar o sentido do humano (e sua comunicação) num dado tempo e espaço, situado na sua cultura. Não é da mesma maneira que os agentes humanos vivem socialmente e organizam sua vidas ao disporem apenas da fala ou da escritura ou quando dispõem das avançadas tecnologias de micro-ondas.
Assim, analisar as formas das comunicações midiáticas - que é o que fazem os dez textos da presente obra - é uma necessidade tanto social (do conjunto dos agentes humanos de uma sociedade) quanto dos indivíduos, na busca do entendimento das esferas ambientais que circunscrevem sua realização humana, porque a compreensão da cultura contemporânea passa pelo entendimento da maneira como as comunicações e tecnologias afetaram - e afetam - o modo de vida das pessoas em todos os seus âmbitos.
Nesse jogo de questões, estímulos e respostas textuais, há modos de ver, pensar e fazer que buscam o sentido do fazer-se humano num mundo dominado pelas comunicações sociais e pelas tecnologias de comunicação, das quais nos servimos e armazenamos informações do mesmo modo que as células armazenam e se servem de energia. De tal modo que os meios de comunicação são formas e instrumentos de expressão do ser, do fazer, do sentir, do pensar e do crer do homem moderno. São a atualidade marcante da história do fazer-se humano do homem. Houve um escritor - Daniel Quinn - que definiu a cultura como sendo a encenação da história de um povo.
É, pois, essa expressão que mostram os textos “Comunicação Organizacional... o caso Unifra”, de A. L. Dellazzana e T. S. Ghisleni; “A Cidade e os Jornais...”, de S. Rocha e M. D. Portella; “Um Olhar sobre o ... cinema-vídeo...”, de D. A. Hineraski e M. Z. Guterres; “... Comportamento do Consumidor”, de C. F. Brum e D. X. Miron; e “O Consumo e Magia... “, de J. Kessler e B. M. Bosak.
Pensar o ‘midiático’ implica diretamente, no mínimo, duas coisas. Por um lado, no plano técnico, significa que tal fenômeno cultural tem constitutivamente um aparato não natural de viabilização. Por outro lado, quer dizer que o objeto cultural obtido nessas circunstâncias é um produto com características singulares. De modo que se pode falar dele como ‘o midiático’ do mesmo modo que conseguimos falar do ou no estético, no linguístico, no sociológico, isto é, em reais simbólicos com feições peculiares. É o exercício que fazem os professores da Escola de Comunicação da Unifra (Centro Universitário Franciscano), olhando o espaço - de natureza simbólica e representativa - que se constitui entre fonte e recepção como processo ativo de constituição dos sentidos da relação entre os comunicantes. A mídia é, provavelmente, o traço cultural que mais afeta a inter-relação dos campos sociais (política, educação, família, religião, lazer etc.) como forças interconstituintes da realidade social.
Há algo de problemático nesse fenômeno de comunicação social moderno, no qual não estão tanto os conteúdos quanto os próprios meios como instrumentos de expressão, como modo de leitura e codificação do real. É o que se depreende das proposições de reflexão dos textos “O Espetáculo da Realidade...”, de A. L. C. Moraes; e “A Coca-cola na linguagem MTV...”, de L. Loy e F. Fernandes.
A mídia é, hoje, corresponsável na criação e desenvolvimento de novos estilos de conduta e porte social, de modo que o fazer comunicativo também deve ser objeto de análise e crítica. Tentativas estão presentes nas páginas dos textos “Fontes jornalísticas, Fontes da história...”, de S. Gomes; “Estratégias e metodologias...” de V. Borelli e M. N. Martins; e “Forças de Porter...”, de H. Dewes; G. Lopes; G. Dorneles; M. Negrini; e T. S. Ghisleni.
Dessa forma, a coletânea tem seus aspectos de unidade. Um deles - evidente - é o da análise da forma hegemônica de construção social da Realidade, porque nós analisamos, fazemos distinções e explicamos na linguagem. Mas essas análises, distinções e explicações se fazem “linguajeiramente” na experiência de um observador. Quer-se dizer, o analista explica o que observa e reflete, tomando da sua experiência o que lhe faz sentido. No movimento do explicar, constrói um objeto, uma teoria do viver e uma teoria do explicar. Sob esse ângulo, as reflexões feitas são reflexões filosóficas e são responsáveis, na medida em que refletem sobre os aspectos do mundo que o observador deseja viver com o outro. Por isso, pode responsavelmente aderir a certos pensamentos ou mesmo entrar em desacordo com outros.
Quem se põe a pesquisar deve ter a consciência de que é um sujeito social preso a teias de valores culturais, dentre os quais, a ideologia. O pesquisador vai ao objeto com uma pré-concepção dele, com uma intenção, com uma expectativa, de modo que sua ação não é jamais isenta em seus juízos e valorizações. O que faz que cada observador seja único é o fato de ele descrever e explicar adequadamente a sua experiência na observação.
De outro modo, por que nos constrangeríamos com nossas discordâncias, quando, de fato, são as diferenças que fazem a vida possível? Entretanto, analisar, pensar, escrever para apenas encontrar o outro, buscá-lo apenas, é parar a meio caminho do que realmente importa: a construção de espaços socioculturais de convivência humana, animal e vegetal. Pacíficamente.
Santa Maria, 09 de julho de 2009.
Adair C. Peruzzolo